sexta-feira, 28 de março de 2008

Aqui se pode observar alguns detalhes do que escrevi anteriormente:




terça-feira, 25 de março de 2008

O Tigre e o Dragão (Parte 2)

Primeiramente, irei comentar as relações de casal entre os dois principais casais do filme.

Acho interessante comentar que até agora só encontrei críticas ao filme que atentam ao fato de que a relação entre Li Mu Bai e Yu Shu Lien não possui uma manifestação sexual, só que esta é colocada como uma "falta de realização".

Eu discordo desta maneira de ver.
Acho que Li Mu Bai e Yu Shu Lien realizam a relação de maneira bastante madura, levando em consideração os limites impostos socialmente.
Em uma época onde barreiras ou convenções sociais são constantemente ignorados em nome "de uma grande paixão" ou de "uma atração irresistível", realmente deve ser muito difícil aceitar que as pessoas possam "viver seus amores" de outras formas que não incluam a realização sexual.Neste sentido, há um momento bastante marcante no filme, onde o casal está tomando chá e Li Mu Bai segura a mão de Yu Shu Lien e diz que as realizações físicas são ilusórias, mas é ao lado dela que ele quer viver e sente-se em paz. Nota-se que cada indivíduo possui sua próprias realizações, sentem-se seguros e não há vínculos de dependência.

Esta relação de casal é compensatória à relação do jovem casal; onde nota-se claramente, desde o primeiro momento, a necessidade de "disfarçar" ou "esconder" seus sentimentos, como se a possibilidade de revelá-los troxesse à tona uma grande fragilidade e dependência, onde o outro certamente manipularia, então, estabelece-se um jogo de "quero não-quero".Jen e Lo amam-se e querem permanecer unidos, mas aparentemente não podem falar sobre isto, preferem representar um papel, como se a relação lhes fosse indiferente.

Nas cenas finais do filme, esta diferença aparece de forma forte.
E para compreendermos o que diz Li Mu Bai para Yu Shu Lien em seus momentos finais de vida, teremos que compreender também a perspctiva religiosa oriental (clássica).Espero que os estudiosos perdoem a maneira superficial como tratarei o tema.
Não importando o nome que é dado a esta busca (Deus, Alá ou terminações "ismo") a grande maioria do movimento religioso ocidental possui uma orientação extrovertida, como abusca de uma instância metafísica que possui uma existência "fora de nós", seja que nome possua esta instância (espíritos, o amor, Deus, bens materiais - como representantes de um bem-estar completo - ou movimentos políticos, ideais, a aprovação e reconhecimento, etc, etc). Enquanto isto, a existência e realidades internas esvaziam-se de significados (sonhos, fantasias e imaginações), e forma-se um grande "vazio interno" povoado de fantasmas ou como é chamado popularmente, de "trabalho do diabo", espaço propício para para todo o tipo de doença psíquica, ou, em sua forma mais aceitável, o consumismo.
Já o que as religiões orientais clássicas possuem em comum é uma orientação introvertida da energia psíquica (conpensatória à forma ocidental), onde o equilíbrio, o bem-estar é procurado dentro do indivíduo. É valorizada a relação com a imaginação, os sonhos a meditação, em detrimento à relação com os objetos externos.
Wudan é um templo taoísta, enquanto Shaolim representaria o budismo.
Devo confessar que desconheço publicações mais extensas a respeito do taoísmo, mas, do pouco que conheço o budismo ( e devo lembrar que são mais de 400 correntes diferentes), a vida e a morte representam "facetas" da mesma "roda",mas, diferentemente dos ocidentais, os orientais não buscam o renascimento ou reencarnação, por entenderem que a vida carrega consigo, naturalmente a geração de um ego carregado de desejos e paixões ilusórias; logo, o renascimento seria um "convite" a uma série de sofrimentos. Não deve ser desejada a morte também; mas a vida deve ser vista como uma grande preparação onde a morte representa seu ponto culminante. A pessoa deve tentar se manter o mais consciente e concentrada possível, a fim de reconhecer as ilusões que sua alma formará e assim, obter a iluminação.

Então, em nossa história, Li Mu Bai avisa a Yu Shu Lien que só possui duas respirações, ao que ela pede-lhe que as poupe, a fim de obter mais concentração. Neste momento ele diz que prefere ser um fantasma a rodeá-la do que permanecer no Nirvana sem ela.

Diferente de Jen e Lo, que depois disto, encontram-se no templo Wudam.
Jen pergunta o que Lo deseja, ao que ele responde: "Voltar para o deserto!". Talvez a vida ao lado de Jen seja importante, mas o primordial para Lo é o lugar onde ele vive, e não suas relações.

Terminado este comentário sobre as particularidades de cada casal, retorno ao que foi comentado sobre o símbolo do número 4, em meu último artigo. Os casais representam uma oposição complementar, onde, se houvesse uma abertura para que cada indivíduo reconhecesse seus aspectos sombrios, haveria uma ampla integração.

Agora é o momento de introduzir o elemento desorganizador, a personagem Jade Fox.

Segundo o "Dicionário de Símbolos" (mesmos autores já citados), "Na China,(...) 5 é o número do Centro. Encontra-se na casa central de Lochu. O caracter wu (cinco) primitivo é, precisamente, a cruz dos quatro elementos, aos quais se junta o centro. Numa fase ulterior, dois traços paralelos aí se unem: o Céu e a Terra entre os quais o yin e o yang produzem os cinco agentes. Também os antigos autores asseguram que debaixo do céu, as leis universais são em número de cinco. Há cinco cores, cinco sabores, cinco tons, cinco metais, cinco vísceras, cinco planetas, cinco orientes, cinco regiões do espaço e, naturalmente, cinco sentidos. Cinco é o número da Terra. É a soma das quatro regiões cardeais e do centro, o universo manifestado. Mas é também a soma de dois e de três, que são a Terra e o Céu na sua natureza própria : conjunção, casamento do yin e do yang, do T'ien e do Ti. É também o número fundamental das sociedades secretas. É essa união que as cinco cores do arco-íris simbolizam. Cinco é, ainda, o número do coração."

quarta-feira, 19 de março de 2008

O Tigre e o Dragão (Parte 1)

Neste comentário sobre o filme "O Tigre e o Dragão", vou abster-me de contar a história, vou deter-me apenas sobre os personagens e suas relações.

A narrativa da história possui uma característica de Wushia, que poderiam ser interpretadas como "novelas chinesas", ou narrativas "cavalheirescas" dos antigos lutadores, exaltando sua virtudes. Então, ao interpretar a história, devemos levar em conta estas características.

O primeiro ponto que considero relevante se refere ao fato de que a trama se desenvolve em torno de quatro personagens, divididos em dois casais.
Segundo o "Dicionáro de Símbolos" de J. Chevalier e A. Gheerbrant, "desde as épocas vizinhas da pré-história, o 4 foi utilizado para significar o sólido, o tangível, o sensível. Sua relação com a cruz fazia dele um símbolo comparável de plenitude, de universalidade, um símbolo totalizador."

Das relações de casal e sua diferenças, tratarei ao final do artigo.
Primeiramente, tratarei das carcterísticas principais destas 4 personagens.

Li Mu Bai é discípulo de um mestre do templo Wudam, famoso por suas técnicas de espada. Seu mestre havia sido morto por Jade Fox, sua esposa, que desejava aprender, mas o conhecimento lhe fora negado; ela então, envenena seu esposo e lhe rouba suas "anotações".
Como em toda a Wushia, Li Mu Bai deverá vingar seu antigo mestre, mas depara-se com um conflito, está envelhecendo e deseja deixar a espada e viver em paz, ao lado da mulher que ama, mas, ao mesmo tempo, não possui descendentes em sua arte e este desejo lhe faz incorrer em erro.

Jen è uma personagem interessante: culta, filha de um governador, prometida em um casamento político, deseja ser livre, viver a vida dos lutadores, mas sem compromissos ou barreiras. Tem como governanta Jade Fox, que após matar o esposo se refugia na casa do governador. Juntas, procuram decifrar as "anotações" do antigo mestre, mas há uma diferença forte que afasta as duas mulheres.
A escrita "chinesa" é composta de símbolos e pode conter determinada sutileza em seus traços caso seja da capacidade de seu autor, assim como também da capacidade de seu leitor; assim, o que acontece entre "mestra" (Jade Fox) e discípula (Jen) é que a segunda consegue "ler" detalhes incutidos nos antigos alfarrábios que sua mestra nem sequer sonha.
Este pequeno detalhe causa-lhe uma empáfia ou orgulho que será o agente "detonador" de todas as situações "problema" na narrativa. Possui um treinamento, mas está incompleto, não aprende por uma relação, o que lhe gera desconfiança e descontrole, ao mesmo tempo em que possui um conhecimento parcial e tem nas mãos uma arma poderosa, o que a deixa invencível perante outros.

Sobre a espada, já havia comentado sobre a notoriedade da escola Wudam sobre esta técnica. cabe destacar que os chineses atribuem um "alma" própria às armas, sendo vedado o toque à sua lâmina, justamente para não "macular" tal "espírito".

A personagem Yu Shu Lien considero a mais difícil de ser comentada porque encarna um ideal dos praticantes de artes marciais: equilibrada, procura resolver as questões de forma diplomática sem mexer nas estruturas políticas e nos interesses individuais.
Neste sentido, uma das cenas chama a atenção; por ser uma personagem tão comprometida com determinados ideais, isto acaba gerando uma oposição natural com Jen, que é demonstrada pela cena que postei aqui.
Existem várias oposições entre as duas personagens, mas a gota d'água parece ser a insistência de Jen em interpretar as situações como "armadilhas" onde outros desejam comprometê-la.
A superioridade técnica de Yu Shu Lien é evidente no combate, ele inicia-se com uma batida de dao (facão), o que é uma marca típica de uma "lição" que um mestre dá a um aluno.
Devo lembrar que este combate é mais um capítulo de nossa Wushia, pois combates de armas não devem ultrapassar 15 segundos.
"Acerta-se a mão do oponente e o combate termina", explicou-me um amigo, professor do estilo Shaolim do Norte, em contato com seu mestre.
Mas o filme pretende fazer uma demonstração de armas e técnicas e, como coloquei anteriormente, deixar bem marcada a superioridade técnica de Yu Shu Lien sobre sua oponente, pois maneja várias armas: dao, futao changao, cheung, dui quan, Jor Yow Gim (respectivamente: facão, facão duplo, garra de tigre, lança, pequeno bastão e espada longa), Jen consegue uma aparente vitória atravéz de um "rompimento de regras", quando Yu Shu Lien já havia demonstrado sua vitória. Mais uma vez, neste momento, Jen demonstra o comportamento que lhe é característico na história; o rompimento de acordos ou a fuga quando é confrontada.

Lo é um habitante do deserto: órfão, bom vivant, ladrão, não consegue expressar-se adequadamente quando o assunto trata de sentimentos (pois o mesmo vive a aridez do deserto!); então, "seduz" seu objeto de desejo roubando-lhe um pente (!), Jen, também infantil sentimentalmente o persegue durante um dia inteiro: "devolva-me o meu pente"(!). Depois de muitos socos, chutes, fugas e facadas, finalmente o jovem casal consuma sua união.Lo deixa que seu objeto de desejo vá embora, a fim de contrair as núpcias as quais era comprometida, para depois, no dia do casamento, arrepender-se (?) e, de forma dramática, pública e impotente clamar pelo retorno de seu amor.

O Tigre e o Dragão

Farei o comentário em várias partes, visto que o filme, as relações e a trama é complexa.

Iniciarei pela ficha técnica, assim como o comentário de outros críticos.

Ficha Técnica
Título Original: Wo hu zang long
Gênero: Ação
Tempo de Duração: 120 minutos
Ano de Lançamento (Taiwan): 2000
Site Oficial: www.crouchingtiger.com
Estúdio: Columbia Pictures Film Production Asia / Sony Pictures Classics / Asia Union Film & Entertainment Ltd. / China Film Co-Production Corporation / Edko Films / Good Machine / United China Vision / Zoom Hunt International Productions Company, Ltd.
Distribuição: Sony Pictures Classics
Direção: Ang Lee
Roteiro: Hui-Ling Wang, James Schamus e Juo Jung Tsai, baseado em livro de Du Lu Wang
Produção: Li-Kong Hsu, William Kong e Ang Lee
Música: Tan Dun
Direção de Fotografia: Peter Pau
Desenho de Produção: Timmy Yip
Figurino: Timmy Yip
Edição: Tim Squyres
Efeitos Especiais: Blue Sky Studios / MVFX


Elenco
Chow Yun-Fat (Li Mu Bai)
Michelle Yeoh (Yu Shu Lien)
Zhang Ziyi (Jen)
Chang Chen (Lo)
Lung Sihung (Sir Te)
Cheng Pei Pei (Jade Fox)
Fazeng Li (Governador Yu)
Gao Zian (Bo)
Hai Yan (Madame Yu)
Wang Deming (Tsai)
Li Li (May)


O Tigre e o Dragão é a tradução que recebeu em português o título de uma novela chinesa de artes marciais ("wuxia") do escritor chinês Wang Du Lu. Em inglês seu título é Crouching Tiger, Hidden Dragon (Chinês tradicional: 臥虎藏龍) (Chinês simplificado: 卧虎藏龙) (pinyin: Wò Hǔ Cáng Lóng).
A novela inspirou a criação de um filme dirigido por Ang Lee


Com base em um romance épico de cinco volumes do escritor Wang Du Lu, o filme, falado em mandarim, retrata a China no início do século XIX, através da disputa de dois casais de guerreiros por uma espada lendária, roubada após o mestre de artes marciais Li Um Bai decidir se afastar das lutas e combates. A suspeita do furto recai sobre a guerreira bruxa Jade Fox, que no passado assassinou o mestre de Li Um Bai.
O filme se destaca pela bela mescla entre romance e artes marciais, onde a principal atração é representada por interessantes cenas de lutas que superam a lei da gravidade. A técnica para tais efeitos utilizou cordas (retiradas digitalmente das cenas) que, movimentadas por um grande guindaste, suspendiam os atores numa velocidade impressionante, fornecendo uma plástica singular, através de movimentos com muita leveza para os embates.
Outro ponto forte do filme é a fotografia, com belíssimas tomadas de regiões desérticas da China.

O "KUNG-FU" AO LONGO DA HISTÓRIA

A época retratada pelo filme (início do século XIX), é marcada pela Dinastia Qing (1644 -1911), responsável pelo início da decadência do kung-fu no Império Chinês sob domínio manchu.
A prática do kung-fu na China, iniciou-se no século XI a. C. com a Dinastia Zhou, tornando-se posteriormente uma exigência para formação do exército. Essa arte marcial ganhou impulso entre os séculos VII e IX com a Dinastia Tang, onde todos os oficiais e soldados deveriam passar por testes antes de serem promovidos. Ao longo da Dinastia Ming (1368-1644), o kung-fu ainda prosperou, entrando em decadência na Dinastia Qing (1644-1911), quando foi proibido por todos imperadores.
Restabelecido em 1912 após a proclamação da República, o kung-fu foi preterido com a ascensão dos comunistas em 1949, quando muitos mestres por motivos políticos, emigraram para Taiwan e para Hong-Kong.


http://www.adorocinema.com/filmes/tigre-e-dragao/tigre-e-dragao.htm

Ainda em:

www.cinedie.com/images/cthd.jpg


A expressão chinesa que dá nome ao filme sugere cautela perante perigos dissimulados ou pessoas que podem não ser o que parecem. Mas Lee joga com outros conceitos, especialmente o de desejo reprimido. Pelos próprios (Shu Lien e Mu Bai) ou pelos valores da sociedade e da família (Jen). Este desejo de liberdade é personificado pela personagem de Jen, cujo nome chinês é Yu Jiaolong (long = dragão), não se encontrando nenhuma justificação óbvia para a “adaptação” na legendagem (que, obviamente, vem da versão inglesa). Ela quer ser livre para amar quem quiser (Lo), mas também para fazer o que bem entender, sem respeito pelas normas de conduta do mundo a que quer pertencer, sem dar “face” a opositores ou àqueles que com ela se preocupam. Para ela, o caminho da liberdade passa pela ruptura com a família e com a sociedade aristocrática a que pertence, e pela entrada no “jiang hu”. Ironicamente, Mu Bai e Shu Lien – os quais perseguem o “dragão” –, pertencem a esse mundo, mas isso não os torna mais livres, pois permanecem constritos por convenções que os forçam a não resolver a longa repressão de sentimentos
Lo é uma personagem algo secundarizada, apesar de protagonizar um longo segmento em flashback, talvez por não intervir em nenhuma das memoráveis cenas de acção. Uma vez mais, o seu nome chinês corporiza um segundo elemento, contraposto e complementar do primeiro: Lo Xiaohu (hu = tigre). Esse momento narrativo foi uma decisão do realizador que muitos não apreciaram. Mas esses 20 minutos no deserto, adicionados aos 15 iniciais, destinados a introduzir o público ocidental à sociedade chinesa da Dinastia Qing, constituem compromissos narrativos mínimos e acabam por reforçar o efeito dos segmentos mais movimentados (como poderia dizer Li Mu Bai, “sem contenção não há acção”).
A definição das personagens é essencial às artes marciais. A personalidade e a formação/treino nas artes definem o modo como cada guerreiro luta. Shu Lien está mais presa à terra (e à memória do noivo), sendo tal notório na cena da perseguição ao ladrão da Destino Verde. Jen, pelo contrário, não tem nada que a prenda, estando disposta a abandonar tudo e (provavelmente) todos, daí a sua maior leveza. Os combates em si funcionam como um libertar de frustrações. No fundo, é como se estivéssemos perante um convencional drama de época, com os conflitos familiares, rupturas de relações, gritos e lágrimas, substituídos por artes marciais

Este género não é familiar a grande parte do público ocidental. “Wuxia” significa literalmente “guerreiro” ou “cavaleiro errante” e está para a China como o western pode estar para os EUA. A acção do wuxia passa-se num passado mítico, uma espécie de realidade alternativa, onde os praticantes de artes marciais podem atingir capacidades sobre-humanas. A canalização da energia interna (qi), em consonância com elementos naturais (água, vegetação, etc.) permitem-lhes executar “saltos sem peso”, com maior ou menor graciosidade.

Em seguida posto meu comentário.

sábado, 15 de março de 2008

quinta-feira, 13 de março de 2008

Ainda sobre Apolo

É interessante lembrar que muitas das características dos deuses provém de suas origens, ou seja, características de seus pais, situação de concepção ou situação no momento do nascimento.

Apolo e Ártermis são irmãos gêmeos, filhos de Leto, amante de Zeus.
Como toda a amante de Zeus, foi perseguida por Hera, sua esposa, que proibiu a Terra de acolher a parturiente. Leto recolheu-se à ilha de Delfos (os gregos entendem as ilhas separadas da terra). Então Hera mandou que sua filha, Ilítia (deusa dos partos) cruzasse as pernas, e quando Ilítia cruza as pernas, nenhum ser vivo consegue dar à luz.
Leto sofreu, durante 9 dias e 9 noites as dores do parto, sem conseguir dar à luz, agarrada a uma palmeira. As deusas Afrodite e Deméter, compadecidas da dor de Leto, presentearam a Hera com um grande colar (que representava seu poder) e então, foi permitido que Ilítia descruzasse as pernas e Leto finalmente concebesse os gêmeos.

É a partir deste momento na história que existem versões diferentes.

Em uma das versões, nascem as crianças que continuam a ser perseguidas, e Leto e os gêmeos se transformam em vários animais, a fim de escapar da fúria de Hera.

Em outra versão, os gêmeos nascem adultos (o que corresponde a uma reação pela enorme quantidade de sofrimento - a impossibilidade de serem frágeis) e primeiro nasce a deusa Ártemis, que, ao ver o sofrimento da mãe, solicita aos deuses permanecer sempre virgem; o que lhe é concedido, depois, ajuda a mãe a conceber Apolo, que é recebido, ao nascer, por duas mulheres poderosas.Conseqüentemente, o poder de Apolo terá de ser concebido de forma diferente aos poderes da irmã e da mãe.
Ártemis e Apolo, na fase olímpica dos deuses gregos, irão representar, respectivamente, a lua e o sol, substituindo os antigos deuses Céris e Hélios.

Acho que ainda cabem alguns comentários interessantes sobre as características do deus.Uma delas, a mais óbvia, a imortalidade. Existe uma passagem dos mitos do deus Apolo onde ele se apaixona por uma mortal, esta passagem é lindamente representada em um filme moderno, chamado "Highlander", onde a personagem principal, interpretada por Christopher Lambert luta pela mortalidade(!), e entre sua aventuras, apaixona-se por uma camponesa (interpretada por Beatie Edney) e casa-se com ela. Após anos de convivência, obviamente a camponesa envelhece e morre, enquanto ele permanece sempre jovem. A passagem do filme é forte, embalada pelo som da banda inglesa Queen, "Who wants to live forever?".
Interessantemente,na história do filme, é só quando a energia de todos os "imortais" é integrada, o herói alcança a mortalidade, e com ela, a capacidade e liberdade para amar e compreender.
Esta é a outra característica de Apolo sobre a qual pretendo escrever.
Como as funções "pensamento" e "sentimento" são opostas, cada uma delas só pode ser desenvolvida separadamente. Uma vez que o deus Apolo estabelece seu poder de uma forma intelectual, a questão sentimental não consegue se desenvolver, o que gera um "sintoma" que é a desconfiança.
A desconfiança é o primeiro sintoma da disfunção do sentimento.
Como coloquei anteriormente, a função sentimento desenvolve os valores, inclusive a auto-estima, portanto, na maior parte das vezes, a desconfiança é uma projeção da baixa auto-estima.
Nota-se em Apolo uma defesa: ele apaixona-se, mas em seguida, abandona o objeto da paixão. Apesar da grande beleza, o deus teme ser abandonado.
Muitas mortais já conhecem esta característica do deus, e recusam-se a contrair casos amorosos com ele, como Cassandra,( a obsessão do deus sobre o seu amor gerou-lhe uma verdadeira maldição) a quem ele deu o dom da profecia, assim como o descrédito de todos em sua palavras.

quarta-feira, 12 de março de 2008

Paixão pelo fugidio

Quem é que nunca se apaixonou por um objeto fugidio?

Há alguns anos atrás fui convidada a palestrar em uma semana acadêmica da ULBRA, e iniciei meu encontro com esta pergunta.

Risadinhas foram a minha resposta.

Sempre procuro associar uma experiência cotidiana ao aprendizado da mitologia grega. Talvez meus alunos não decorem o nome das personagens, mas com certeza, ao final do mito, sabem ao que tal história se refere.

O mito de Apolo e Dafne não só nos elucida do porque tal fenômeno acontece como também nos descreve a respeito das características da intelectualidade (em tempos remotos da história da humanidade e também hoje). A respeito das ligações do deus Apolo com a característica "intelectual" eu recomendo a consulta do livro "Mitologia Grega II" de Junito de Souza Brandão.

O mito inicia-se assim:
"Apolo debocha de Eros"; porque suas flechas não matam. Eros decide então fazer com que Apolo "saboreie" do poder de suas flechas e o acerta com uma flecha de atração, enquanto também atinge Dafne, uma mortal, com uma flecha de repulsão.
Apolo então aproxima-se de Dafne, que afasta-se e assim se segue, sucessivamente, até o momento em que se encontram em desabalada correria, Apolo atrás de Dafne.
Ao pressentir que o deus iria alcançá-la,e não desejando tal encontro, Dafne suplica aos Deuses ser metamorfoseada;e estes assim o fazem: transformam-na em um loureiro, que se torna a árvore preferida de Apolo.

É através deste mito, assim como também o mito do Minotauro, que temos a oportunidade de verificar a dinâmica das funções psíquicas, da forma como nos coloca o psiquiatra suíço C.G.Jung em vários de seus livros.
Em um deles, "Fundamentos de Psicologia Analítica", o autor nos descreve as funções de maneira simples, colocando "pensamento" e "sentimento" como funções opostas, uma delas sendo desenvolvida na consciência enquanto a outra permanece no obscuro inconsciente. Estas são as chamadas "funções principais", dispostas em um eixo, sendo este, cortado por outro eixo chamado "secundário" ou "auxiliar", onde encontramos as funções psíquicas "percepção" e "intuição", que possuem a mesma disposição no que se refere ao consciente ou inconsciente.
vamos nos debruçar apenas sobre o eixo principal para entendermos o mito e a dinâmica destas funções.
Segundo Jung, a função pensamento nos diz "o que as coisas são", enquanto a função sentimento diz respeito a um sistema de valores, "o quanto elas valem".
Para nós, ocidentais, é fácil entender a definição da função pensamento, mas também é muito fácil confundirmos função sentimento com "emoção" ou até mesmo "obsessão". Muitas vezes, quando uma função sentimento permanece muito tempo pouco desenvolvida no inconsciente, quando a mesma "sobe a tona", vêm sob a forma de uma obsessão. Pode-se dizer, neste momento, que não é "fulano" quem tem sentimentos, mas "os sentimentos o tem".Geralmente estas pessoas julgam-se "sensíveis", procurando reprimir ainda mais o que sentem, ao invés de compreender um processo compensatório.
"É na falta da água que se pode compreender a profundidade e extensão de um rio", me dizia um conhecido; e a mesma regra, infelizmente, serve no que diz respeito à grande maioria dos ocidentais, que possuem uma intelectualidade bastante desenvolvida, enquanto seus sentimentos permanecem "na(s) sombra(s)".
Voltando ao mito, "Apolo debocha de Eros", é a maneira como geralmente a função pensamento se relaciona com a função sentimento, que, por sua vez, mostra-nos qual é a sua força, fazendo com que nos apaixonemos por um objeto fugidio, ou que nos despreze, a fim de que, através do sofrimento possamos reconhecer seu poder.
Dizia Fernando Pessoa "os deuses são deuses porque não se pensam", ou seja, não possuem, como nós, a possibilidade de conhecer suas falhas e se transformar, então, na exaustão deste processo, ao alcançar o objeto do desejo, ele se metamorfoseia.

"O loureiro dá louros e com os louros nós fazemos o que?"
Pergunto eu em sala de aula, ao que me respondem: "feijoada!"

"E também a COROA DE LOUROS!"

O que significa que a incompreensão do processo transforma as pessoas em objetos, e o objetivo da trajetória em uma vitória, e não em um encontro.É provável que a partir deste ponto, a mesma história se repita, ou seja, o indivíduo não compreendeu ou conscientizou o processo; precisa passar pela mesma lição outra vez!

Como reverter este processo?

Precisamos nos conscientizar dos valores de coisas, pessoas, relações e até mesmo de nosso próprio valor; precisamos ocupar os "lugares" que nos cabem, entender as relações como instâncias separadas de nossos sentimentos.
Todas as pessoas possuem liberdade de escolhas, inclusive nós.
Qual é a vida que queremos ter?

segunda-feira, 10 de março de 2008

Ainda em definições....

Texto de
José Castello, na revista Época da semana passada

"Achamos, quase sempre, que os mitos são histórias ingênuas, que embalam o sono das crianças e a ignorância dos primitivos. São bem mais do que isso. Lendas e mitos se formam quando o homem se faz perguntas que não pode responder. São precárias, mas potentes, narrativas, que organizam a existência e o ajudam a viver.(...)
Talvez a literatura seja a mitologia moderna."

Bom em todas as interpretações que encontrei, os autores sempre afirmaram que todas as histórias, produções criativas ou sonhos, assim como histórias das pessoas são mitos reescritos. O grande trabalho é o de identificação dos mesmos.

sábado, 1 de março de 2008

Definição de mito

"Mito - diz Mircea Eliade, famoso antropólogo romeno - é uma história verdadeira, ocorrida nos tempos primordiais, quando, da interferência de um ente divino, uma nova realidade passou a existir."
O que nos distancia da possibilidade de compreendermos o que nos escreve Eliade, é que, segundo Joseph Capbell, em seu livro "Isto és tu", estamos distanciados da possibilidade de interpretações metafóricas, o que nos impossibilita a compreensão das religiões (e também mitos e sonhos).
Estamos falando de formas e padrões típicos do humano, o mito fala-nos de realidades simbólicas, da maneira como o ser humano reage à situações típicas; pelo fato de ser "o humano o observador do humano", não existem outras alternativas senão falar de nossas "reações quase instintivas", "como se fosse assim..." .
A conclusão é a de que os mitos são histórias verdadeiras, eles contam a respeito das formas como o ser humano têm de sentir.
Então faz muito sentido que os Deuses sejam eternos; mudam as civilizações e vêm o progresso, mas a maneira de sentir do ser humano é a mesma.